Passo a partilhar aquilo que foi o meu contributo para o livro “Marketing B2B” do André Morgado.
Value sellling de serviços em mercados comoditizados
“Price is what you pay, value is what you get”
by: Warren Buffett
É incontornável começar este texto com uma frase que, em meu entender, qualquer vendedor deve ter sempre presente, especialmente quando se trabalha em mercados de serviços altamente comoditizados. É muito fácil para um vendedor alegar que o serviço que vende é uma commodity e que só o preço interessa ao cliente. Este argumento revela-se ainda mais presente nos mercados grossistas em que as compras estão altamente centradas no preço. É o caso das plataformas de trading de minutos de voz de interligação entre redes e de largura de banda que existem nos mercados de telecomunicações em que tenho feito parte da minha carreira profissional.
Nos mercados acima referidos — e diria mesmo, sobretudo nesses mercados — o value selling tem um lugar reservado, como única fonte de diferenciação. Para provar esta hipótese basta responder a uma pergunta muito simples: porque é que os clientes nos compram? Ou seja, porque é que nos compram a nós, em vez de comprar à nossa concorrência? Esta pergunta parece simples mas quando é feita dentro da nossa organização e aos nossos clientes, acabamos por receber (quase sempre) respostas surpreendentes. Por esta razão, proponho que não deixem de colocar esta questão, quer dentro da vossa empresa, quer aos vossos clientes, e passo a partilhar um pouco da minha experiência neste campo.
Começando pela empresa em que trabalhamos, a pergunta deve ser colocada aos stakeholders que contribuem para a construção da nossa proposta de valor. A minha experiência demonstra que cada stakeholder valoriza mais as características que são da responsabilidade do seu departamento: os elementos da engenharia valorizam as features do serviço, os responsáveis pela operação valorizam a fiabilidade e os comerciais têm tendência a dar mais valor ao preço pois é nesse aspecto que, habitualmente, se investe mais recursos e dispêndio de tempo. No entanto, quando fazemos estas perguntas aos clientes, eles valorizaram outros aspectos como: qual o conhecimento que os vendedores têm do mercado e que insights podem proporcionar. A resposta mostra bem como a venda B2B mudou drasticamente: os compradores já não pretendem um vendedor que apenas lhes “debite” as características técnicas dos seus produtos. O vendedor deve posicionar-se como um conselheiro e um challenger junto do cliente. Só desta forma é que o vendedor consegue perceber o valor da sua oferta junto do cliente. Afinal “os clientes não sabem o que não sabem”, e isso é uma tremenda oportunidade para um vendedor que saiba posicionar-se junto do seu cliente como um “trusted advisor”, antecipando tendências e aconselhando alternativas.
Os clientes não precisam de alguém que lhes debite as características técnicas do seu produto, serviço ou solução porque hoje em dia é muito fácil obter essa informação na web. Vários estudos revelam que mais de 50% dos compradores contactam o vendedor quando já vão a meio do seu processo de compra, ou seja, quando já recolheram toda a informação sobre as ofertas disponíveis no mercado e têm uma ideia pré-definida do que pretendem. Um vendedor que não seja visto como um conselheiro que gera valor, não vai ser convidado para estar presente nessa primeira metade do ciclo de compra e fica fortemente restringido à fase final da negociação onde apenas participa na negociação de preço. Por outro lado, a compra em contexto B2B tornou-se muito mais complexa, com ciclos mais alargados, onde se juntam múltiplos stakeholders. Assim sendo, a mensagem de valor deve ser adaptada aos diversos stakeholders dentro da organização compradora pois o valor será diferente para cada um deles.
Ao focar-se no valor, o vendedor terá a possibilidade de perceber quais são as oportunidades de negócio onde o seu produto ou serviço tem mais relevância para o cliente. Ao ganhar esta perceção clara de valor, o vendedor gere as suas prioridades e recursos, despendendo mais tempo nas oportunidades onde cria mais valor, podendo mesmo descartar oportunidades onde não é relevante. Esta última situação é de especial importância, pois onde não há valor o foco estará exclusivamente no preço, levando o vendedor a situações de guerra-de-preço e desvalorização da oferta. Numa situação destas, o comprador valorizará um vendedor que não o faça perder tempo. Esta última situação lembra-me a minha experiência há já 10 anos na T-Systems (empresa de ICT do grupo Deutsche Telekom), onde os recursos para fazer uma proposta técnico-comercial eram muito disputados e onde aprendi o valor de saber assumir e dar um “NO GO” em situações onde não acrescentávamos valor ou antecipávamos que não acrescentaríamos mais valor do que a concorrência. Ao invés, quando o vendedor tem uma perceção clara do valor que pode gerar para o cliente ganha um forte posição negocial, permitindo-lhe fundamentar perante o cliente um posicionamento com preço mais alto do que a concorrência – este é o posicionamento que temos adotado muitas vezes na RENTELECOM. Por este motivo, o vendedor B2B deve posicionar-se como um conselheiro que acompanha o cliente desde o início e ao longo de todo o ciclo de compra, dando insights e informação que maximizem o valor para o cliente.
A minha experiência profissional mostrou-me que há ciclos de compra que podem demorar anos, em particular em contratações complexas e de grandes dimensões. Nestas circunstâncias o vendedor deve acompanhar o comprador ao longo da sua jornada. Um exemplo que me ocorre foi quando o operador de telecomunicações Tele2 decidiu entrar em Portugal em 2003, suportando-se na oferta de wholesale da Oni de que eu era responsável à data. A minha equipa acompanhou o cliente durante cerca de 3 anos, proporcionando-lhe insights sobre o mercado, percebendo o que teria mais valor para o cliente e trabalhando com ele em várias soluções alternativas, de tal forma que, quando a Tele2 decidiu entrar no mercado, a nossa solução era a que tinha mais valor para esta empresa e, como tal, foi a escolhida.
Tecnologias disruptivas como a Inteligência Artificial, Machine Learning e a Robotização têm um impacto significativo nos negócios B2B, como são exemplo os marketplaces Amazon Business e Alibaba Business Services. Estas tecnologias vão consolidar-se com grande velocidade num futuro próximo, fazendo com que os negócios sejam cada vez mais automatizados, com os marketplaces e as máquinas (exemplo: chatbots) a substituir o vendedor B2B na cadeia de valor. No entanto, essa substituição só acontecerá nos negócios e nas partes do ciclo de venda onde o vendedor não acrescentar valor. Um ciclo de venda B2B depende muito do que se vende e de que empresa vende, bem como de quem compra e de que empresa compra. Vamos assumir que podemos generalizar um ciclo de vendas em 5 etapas: prospeção, preparação, qualificação, proposta, negociação e pós venda. Pensemos em que etapa é que o vendedor poderá ser substituído por uma máquina. Será que uma máquina conseguirá fazer uma qualificação duma oportunidade identificando, não só os pain points do cliente, mas também todos os restantes aspetos relacionados com os legítimos interesses dos diferentes stakeholders? Será que uma máquina saberá fazer perguntas abertas e fechadas conforme a circunstância ou fazer silêncio quando é fundamental deixar que o comprador fale? Será que uma máquina consegue identificar o valor e negociar mais do que preço? Saberá uma máquina ultrapassar e aproveitar as objeções que os clientes levantam? Estes são alguns aspetos que ilustram que o vendedor B2B será cada vez mais um profissional altamente valorizado, que será capaz de não só detetar valor, mas sobretudo de criar valor onde as máquinas não chegam … por enquanto!
Num futuro próximo, a venda B2B será tratada como um processo de criação de valor entre empresas, onde as pessoas serão elementos essenciais. Para isso acontecer será necessário contar com o envolvimento de todos os stakeholders, incluindo a academia e as empresas.
Autor: Rui Franco – B2B Sales evangelist